TOMANDO CAFÉ COM UM PAPABILI
Caramba!
Já faz 47 anos!
Quando o Papa-Sorriso morreu, eu estava nas pequenas férias de três, quatro dias que a Folha me concedia depois de uma cobertura pesada, sem dormir. Escolhi Recife, hotelzinho pequeno, modesto, na praia da Boa Viagem.Claro que o jornal tinha o número do telefone do hotelzinho. Minha bagagem incluía o biquíni, duas cangas, quatro camisetas e um vestido. No segundo dia, quando voltei da praia, o garoto que ficava na recepção, esbaforido, me diz, “Dona Luzia, é para a senhora telefonar para o jornal com urgência porque o Papa morreu”. Quase arrogante respondi, “menino, isso faz mais de um mês”.
De Brasília, meu chefe em desespero, “onde você está?”. E eu “o quê? Você que ligou, deve saber”. Depois de delimitar meu território, ouvi as instruções. “Pegue o primeiro avião e embarque para o Rio e depois, Roma”. Não, não tenho roupa pra isso. Viajei só com mochila”. Bo, ele se acalmou e disse que podia parar em Brasília, depois no Rio conversar com frei (ele ainda era frei) Leonardo Boff. Tinha um avião às sete da noite e naquela noite, longe dos mares bravios de minha terra onde canta a jandaia, vi minha amada Brasília lá de cima. Dormi em casa e no dia seguinte, direto para a sede da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), presidida, na época, pelo cardeal ALOÍSIO LORSCHEIDER.
Cheguei quase na hora do cafezinho da tarde. Eu era freguesa daqueles biscoitinhos amanteigados feitos pelas irmãs religiosas que trabalhavam na CNBB. Aliás, eram fontes preciosas.
No refeitório, Dom Aloísio me perguntou quais eram as novas. Contei os babados. E, sem lhe dar folga, perguntei, “Dom Aloísio, o Papa foi morto?”
Sem titubear, ele respondeu, “minha cara, sob o manto do Vaticano tudo é possível. E encerramos esse assunto. Obedeci, afinal de contas quem sabe ele usava seu poder de excomunhão comigo.
O cardeal Lorscheider era um dos favoritos na lista dos papabili e eu estava animadíssima de ter um amigo no Vaticano. Já pensou, ligar para o Papa e dizer, “ e aí, Santidade, posso me hospedar na sua casa?” Já pensou?
Comportada, afastando meu pensamento anárquico, já séria, perguntei que dia ele embarcaria e emendei, “quais são suas chances de virar Papa”?
“Memélia, eu sempre achei que você gostava de mim, Que gostava de conversar comigo. Mas sua pergunta é de quem quer me ver pelas costas”.
Foi a primeira resposta do cardeal Lorscheider. E me mostrou o quanto é difícil deixar toda uma vida para trás e se encerrar naqueles paredes que também carregam todos os pecados do mundo. “Olha, se por acaso eu fosse eleito, e não vou ser porque a Cúria Romana conhece meus problemas cardíacos – dias antes, Dom Aloísio sofrera um infarto e não era nem o primeiro – vou ter que deixar todos os amigos. Mão vou poder ficar conversando assim horas para discutir os tantos problemas do Brasil. Você não vai mais poder me contar piada de padre e, ainda não é o momento para a América Latina ter um Papa.
O quadro que ele pintou me deixou realmente assustada. Fiz minha matéria, embarquei para o Rio, frei Leonardo Boff me recebeu para uma entrevista e foi categórico na sua previsão:
“Não será nem um Papa latino, nem um Papa africano. Nesse momento, os impérios querem derrubar a Cortina de Ferro. Será algum cardeal do Leste Europeu.
Dito e feito. Dias depois, em 16 de outubro de 1968, KAROL WOJTILA, cardeal polônês, era o novo Papa. Aliou-se a Ronald Reagan, militou ativamente para derrubar uma já enferrujada Cortina de Ferro, desmantelou a Igreja do Brasil que atuava na Teologia da libertação, fatiando a poderosa Arquidiocese de São Paulo, comandada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, desmobilizar toda prelazias do baixo Araguaia, cujos bispos, entre eles, Dom Alano Pena e Dom Estevão Avelar, trabalhavam lado a lado dos camponeses sem terra, com seu sucessor, cardeal Joseph Ratzinger, calou a boca de Dom Pedo Casaldáliga e de frei Leonardo Boff impondo-lhes o “silêncio obsequioso” (eufemismo da linguagem do Vaticano para dizer “censura) e promoveu o que há de mais conservador dentro da Igreja Católica. Em outras palavras, Wojtyla, que assumiu o nome de JOÃO PAULO II, atuou como um verdadeiro agente do Império e assim mesmo ainda foi santificado.
E cá estamos nós num momento em que o mundo se encontra na encruzilhada entre Barbárie ou Civilização torcendo para que o novo Papa, que não tem um um Exército e sequer uma Divisão (entendeu Stalin?) , mas tem o “poder da autoridade” seja uma figura que, no mínimo, seja generoso e forte para abraçar as vítimas dos fascismos que nos ameaçam.