TESES E FILHOS
(Desculpem o ataque de vaidade)
Sou de natureza aquática. Ou seja, choro igual bezerro desmamado. Choro quando assisto “Casablanca”, sempre na mesma cena. E já asssisti 78 vezes. Contadinhas no caderno. Choro quando a mata queima e sei que os bichos das matas estão correndo desesperados. Choro quando vejo imagens das crianças palestinas, choro quando uma criança está chorando de sofrimento e eu não posso ninar. Devo ter um aqüifero de lágrimas em algum lugar do meu corpo.
Mas comecei a ler a tese da minha filha caçula e aí derramei as águas do Xingu, do Amazonas, do Araguaia, do Anil, do Branco, do Caomé, do Uaricoera todas essas juntas escorreram e ainda estão escorrendo dos meus olhos.
Sempre quis ter filhas. Eu queria ter seis filhas, mas a Natureza não me ajudou porque a Natureza é sábia e sabe que só tenho dois braços. Então, ela me concedeu duas filhas. E tenho orgulho das duas. Elas fazem bem o que elas escolheram fazer. Jamais criei expectativa para que elas fossem isso ou aquilo. Mas sempre tive dois sonhos. Que elas fossem felizes e fizessem bem feito o que elas escolheram fazer na vida. E assim aconteceu.
Comecei a ler a tese da minha doutorinha que quano criança queria ser bailarina, astronauta e cientista e hoje é professora e posso dizer que é cientista porque Antropologia é uma ciência que exige amor e saber.
Quando esbarrei nos agradecimentos, comecei a chorar. Nossas vidas juntaas passaram na minha frente. Decidi trazer aqui a parte dos agradecimentos que me diz respeito e me encheu de vaidade e de saudades de duas menininhas que são meu tesouro.
Segue aí o texto que faz parte dos agradecimentos da tese.
“Entre os colegas e amigos seniores, os diálogos francos com Aristóteles Barcelos Neto me
estimularam a continuar e não me desviar das sendas etnográficas. Miguel Aparício Suárez, agora
compadre, a quem sempre recorro com dúvidas e dilemas, me estimula e impele a continuar. Na
França, Nathalie Pétesch me apoiou e estimulou, além de ter provido a karajologia com um dos seus
insights mais importantes, que é o da estrutura triádica. Os antropólogos que frequentaram a casa da
minha infância foram certamente o primeiro chamariz a essa ciência e a esse mundo fascinante e
cheio de desafios. Patrick Menget, Nathalie Pétesch, Dominique Buchillet, Bruce Albert e,
tardiamente Christian Geffray: vê-los ir e vir de campo, ver suas longas esperas por autorizações da
Funai naqueles anos 1980, acompanhar de perto seu envolvimento não apenas com os índios
enquanto fornecedores de dados interessantes mas enquanto parceiros, amigos e sujeitos que
precisavam de apoio contra as invasões, as injustiças e os massacres. Crescer vendo seu trabalho e a
luta em conjunto com os índios certamente formou boa parte da antropóloga que me tornei.
Agradeço a Ricardo Cavalcanti-Schiel que me apoiou e deu suporte nos tempos em que
dividimos nossas vidas.
À minha família por afinidade agradeço a Fernando, Cida e Laís Geiser, pelo suporte e
apoio. Especialmente a Cida por ser minha leitora entusiasta e por fazer perguntas que me mostram
como devo me expressar para ser compreendida por leitores não especialistas.
Na minha família, certamente nada disso existiria se eu não fosse filha de Memélia Moreira, jornalista combativa e apaixonada por sua profissão e pela causa indígena. Essa mulher
forte, “minha doce guerreira” que vi virar tantas noites misturando escrita, pranto, luta e luto. Sua
generosidade sem igual trouxe ao meu universo infantil histórias, índios, antropólogos, indigenistas,
sertanistas, todos na mesma minha casa, que já foi chamada de “QG do indigenismo brasileiro” por
um certo antropólogo francês.
A meu pai, Kristian Schiel, que foi ao Xingu muito antes de conhecer minha mãe, me
ensinou a amar “todos os matos do mundo” e me apresentou Karl May e Winnetou, o apache que
encanta todo menino alemão, de Kristian a Curt Nimuendaju.
A minha irmã, Cristina, que compartilhou comigo essa infância sui generis, foi meu ponto
de apoio nas idas e vindas de campo, primeira casa que me recebia quando eu chegava das viagens.
À família que fundei. Agradeço ao Gustavo Geiser por todo o carinho, o apoio, o suporte, a
amizade, o diálogo absolutamente franco em todo e qualquer assunto. E finalmente, agradeço a Iara
e Mathias por me mostrarem a cada dia tudo o mais que há nessa vida.”
Novamente, desculpem meu surto de vaidade
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