EM BUSCA DA AUTO-ESTIMA
Nenhures, 20 de setembro de 2004
Foi de propósito que deixei para comentar a nova campanha governamental para que o povo brasileiro cultive a auto-estima depois de passada as comemorações pela independência do Brasil. Não queria escrever ainda à sombra das bandeiras e, praticamente colunistas de todos os jornais se debruçaram sobre o assunto.
Não estou com apetite para entrar na discussão dessa tentativa de retomada do ufanismo, lançada há mais de 30 anos pelo general-presidente, Emílio Garrastazu Médici. Ainda estão frescas na nossa memória slogans tais como “Pra frente Brasil”; “Brasil ame-o ou deixei-o” e, em alguns casos, chegou-se ao extremo de colar adesivos no carro com a frase “Brasil acima de tudo”, literalmente traduzida do original, “Deutsch über alles”, ou “Alemanha acima de tudo”, que era a palavra de ordem do governo de Adolph Hitler e os militantes nazistas.
Vamos ficar só nessa nova campanha.
Colunistas importantes, de jornais de circulação nacional avalisaram a campanha lembrando que os franceses saem às ruas em festa para comemorar o 14 de julho, data nacional daquele país e que comemora a queda da Bastilha, célebre prisão onde eram encarcerados os inimigos dos déspotas reis da França. Também lembraram que nos Estados Unidos, quatro de julho, o Independemce Day é festejado com alegria pelo povo norte-americano.
Tudo isso é bem verdade. E, ao longo dos anos,cheguei a cultivar uma certa inveja dos povos que festejam com tanto fervor suas datas nacionais, saem ás ruas, cantam, fazem pic-nic, dançam.
Mas, só para refrescar a memória, é preciso dizer porque tanta alegria de um povo na suas datas nacionais.
No 14 de julho de 1789, a célebre Bastilha foi literalmente destruída em meio a uma revolução encabeçada pela burguesia e pela intelectualidade francesas, além de elementos do povo que extinguiu o absolutismo, guilhotinou os aristocratas e inaugurou uma nova era na França, tornando-a moderna e mais igualitária.
O Independence Day também é fruto de uma revolução. Esgotados por uma série de impostos ditados pela Inglaterra, os norte-americanos, com apoio político e financeiro dos franceses (que ainda não haviam engolido a derrota contra a Inglaterra na Guerra dos Sete Anos, em 1763) iniciaram um movimento separatista em 1775, travaram batalhas sangrentas e, finalmente, em quatro de julho de 1776, os delegados dos 13 territórios que naquela época formavam os Estados Unidos, declaram sua independência que só é recomhecida em 1783, no Tratado de Versailles.
E o que dizer de nossa independência?
Para começar, os livros de História registram timidamente nossas lutas contra o colonizador. A bandeira não é hasteada pela Revolução Praieira, pela revolta de Beckman, pelas tantas guerras que enfrentamos. Tiradentes não é devidamente cultuado e o 21 de abril, data de seu enforcamento, é apenas mais um feriado que também festeja o nascimento de Brasília.
Além disso, o grito de independência foi dado pelo filho do rei que nos dominava, e que não rompeu os laços com a colônia. Ao contrário, deu o grito e abriu um rombo nas nossas finanças porque tivemos que pagar indenização a Portugal depois da independência. Que independência é essa que logo no seu primeiro momento cria uma brutal dívida externa da qual até hoje não nos livramos, a título de indenização? E eu me pergunto indenização de quê? Não bastara o saque? E onde estava o povo nesse dia sete de setembro de 1822? Não ao lado do príncipe regente. Ao lado dele, só as tropas de elite.
Essa são as algumas das diferenças entre o entusiasmo com o qual franceses e norte-americanos comemoram sua data nacional e a nossa indiferença, quase apatia para irmos às ruas festejar o sete de setembro.
E esse é apenas um fator de auto-estima. O culto às lutas, aos heróis. Muitos dos nossos heróis foram sepultados em covas rasas e seus nomes sequer constam do caderno de endereços do cemitério.
Não temos razões para segurar a bandeira da auto-estima quando só em são Paulo, a mais rica cidade do País, 600 mil pessoas vivem em 1.648 cortiços, além da população das ruas que agora enfrentam um verdadeiro genocídio, com 18 mortos entre 17 de agosto a 12 de setembro. Mortos no meio das ruas, de São Paulo, Recife, Belo Horizonte, com sinais evidentes de barbárie.
Não temos razões para cultivar o sentimento de auto-estima quando o País anualmente disputa o primeiro lugar entre as nações de maior injustiça social do planeta. E de maior concentração de terra também, criando um expressivo contingente de famintos que terminam sendo recrutados pelas tropas do narcotráfico.
Não temos razões de auto-estima quando sabemos que nossos cientistas e pesquisadores são obrigados a um êxodo constante porque no Brasil não há qualquer estímulo à pesquisa e os recursos que dveriam ser gastos com educação terminan escorando campanhas publicitárias e políticas para a manutenção do poder.
Auto-estima, ao contrário do que podem pensar marqueteiros da moda e algumas autoridades do Palácio do Planalto, não é regra de comportamento determinada por lei, medida provisória ou campanhas publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação.
Auto-estima é traço cultural. É conquista e conquista construída ao longo da formação cultural de cada povo. É um trabalho de gerações e não um modelito novo que se vai usar na primavera que se anuncia….
Saudações
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